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  Se todos os senadores e deputados do país...

Jornal Folha de S.Paulo , quinta-feira 19 de novembro de 1998


Senadores e deputados (federais e estaduais) têm deliciosa opção de entretenimento para hoje, de preferência já no período da manhã: dedicar-se à leitura da reportagem-manchete “Lucros gordos na compra dos bancos estatais”, publicada na última terça-feira, dia 17, pelo jornal Gazeta Mercantil.

De autoria da jornalista Maria Christina de Carvalho, a reportagem mostra que, na privatização, os bancos compradores podem utilizar – atenção – os “prejuízos” acumulados pelo antigo banco estatal para abater, deduzir, reduzir seu próprio lucro e, assim, reduzir o Imposto de Renda, durante alguns anos. Com isso, os bancos privatizados saem “de graça”, literalmente, para os compradores – à custa mais uma vez do Tesouro Nacional, que perde a arrecadação devida sobre os lucros do comprador.

Entre os exemplos fornecidos pela reportagem, figura o banco estatal gaúcho, federalizado, Meridional: foi “comprado” por R$ 276 milhões e dispunha daqueles chamados “créditos tributários” no valor de R$ 230 milhões...

Mas há outras vantagens para os compradores: os contratos de financiamento imobiliário (casa própria), com altíssima inadimplência, são devidamente “comprados” pela Caixa Econômica Federal; e o dinheiro da caderneta de poupança captado pelo banco “privatizado” não precisa – como a lei manda – ser aplicado no empréstimo a compradores de casa própria, podendo ser desviado para aplicações mais lucrativas.

Os senadores, deputados federais e deputados estaduais sabem disso? Não, salvo as exceções de praxe. Por quê? Diz a reportagem: “Todos os bancos estatais à venda garantem ao comprador as mesmas vantagens” – que, atenção, não são “nunca escritas explicitamente nos editais”. Mais do que nunca, o Congresso Nacional e as Assembléias Legislativas precisam estabelecer novas normas para a política de privatização, não apenas de bancos, mas em qualquer área.

É preciso, inclusive, reestudar as privatizações já feitas, investigando, com o emprego de técnicos, três pontos:

Valor - Os “preços” fixados foram corretos?

Transparência - Os editais traziam claramente todas as vantagens e compromissos que os compradores teriam? Sem essa transparência, somente grupos financeiros e empresariais, bem-relacionados nos círculos de Brasília, saberiam que a compra valia a pena... Menos concorrência, menor preço, prejuízo para a União ou Estados. A hipótese de “informações privilegiadas”, que para muitos parecia impossível, transformou-se em clara evidência com a divulgação das chamadas “fitas do BNDES/Ministério das Comunicações”.

Favoritismo - É preciso identificar, finalmente, se os “compradores”, logo depois da privatização, ou mesmo às suas vésperas, não ganharam novas vantagens, não previstas nos editais.

1) Preço discutível

Até hoje, a esmagadora maioria dos brasileiros, inclusive do Legislativo, se esquece, ou ignora, de como é fixado o preço das empresas e bancos estatais destinados à privatização. Na política atual, de nada adianta o banco ou a empresa terem gasto bilhões, durante anos, na instalação de agências/fábricas/minas/vagões (ferrovias)/quilômetros de percurso (rodovias).

Esse patrimônio de bilhões de reais não é levado em consideração, diretamente. Como assim? O preço é “calculado” levando- se em conta as previsões de “lucro”, isto é, o faturamento menos despesas, que a empresa/ banco/rodovia/etc. pode oferecer ano a ano.

2) Vale & cia.

O critério em si já é discutível, para dizer o mínimo. Mas o que o Congresso e as Assembléias precisam investigar, no reestudo das privatizações, é se até ele, esse critério esdrúxulo, foi realmente respeitado. Ou mais claramente: ao anunciar a privatização de um banco, por exemplo, o governo já sabe que ele tem “créditos tributários”, que vão virar “dinheiro vivo”, entrarão no caixa dos “compradores”. Logo deveriam ser incluídos no “faturamento”, "lucros" futuros. Isto é, incluídos no preço.

Isso ocorreu? A Vale do Rio Doce, por exemplo, também apresentou um lucro recorde no primeiro semestre do ano, graças à utilização de um “crédito tributário” gigantesco.

3) Telebrás, sempre

Uma colunista do jornal O Estado de S. Paulo, apesar de ultrafavorável à privatização, e por isso mesmo bem-relacionada com o governo, confirmou, às vésperas do leilão, que as consultorias internacionais que “calcularam” o valor do Sistema Telebrás haviam sofrido, digamos assim, um surto de distração. Isto é, se “esqueceram” de lançar as receitas resultantes da venda de (milhões, nas previsões) linhas telefônicas. Mesmo assim, o preço não foi revisto. Como houve empresas do sistema vendidas sem “ágio”, a perda do Tesouro é óbvia.

4) Telebrás, ainda

O governo, relembre-se, fixou o preço do Sistema Telebrás em R$ 13,5 bilhões. Mas, no primeiro semestre do ano, antes da privatização, adotou um comportamento estranhável: investiu praticamente R$ 5 bilhões nessas estatais ou – atenção – o equivalente a 80% do que estava previsto no orçamento para o ano todo.

Há perguntas para as quais o Congresso precisa procurar resposta. Se o leilão já estava marcado, se os regulamentos com as condições de venda já estavam prontos, por que despejar esses bilhões no setor? Afinal, se o que conta é o “faturamento” previsto, por que aumentar os gastos com o patrimônio, se eles não retornarão ao Tesouro na venda?

E finalmente: se aqueles R$ 5 bilhões foram gastos em redes, cabos, centrais telefônicas, eles não permitiriam a instalação, mais rápida, de “linhas” pelas empresas compradoras? Nesse caso, o faturamento resultante dos investimentos do governo foi devidamente incluído no preço fixado ou os cálculos já estavam finalizados? Bom lembrar: escondeu-se à larga, em 90% do noticiário sobre o leilão da Telebrás, que o Tesouro receberia apenas 40% à vista. Sobre o preço fixado de R$ 13,5 bilhões, seriam cerca de R$ 5,3 bilhões. Que o governo já havia gasto em um semestre, para alegria dos compradores...

Inexplicável?

Pausa na questão das privatizações. Vale a pena o Congresso examinar também o que está ocorrendo com as taxas de juros. Em maio/junho, como se sabe, bancos e investidores nacionais e estrangeiros deixaram de comprar títulos do governo brasileiro – porque previam uma disparada nos juros, fuga de dólares etc. Como os papéis tinham juros prefixados, os compradores teriam prejuízos no futuro, quando os juros subissem (no caso dos bancos, estariam pagando mais, pelo dinheiro captado, do que os juros recebidos com os títulos).

Contra a parede, o Banco Central passou a vender títulos com juros pós-fixados, isto é, pagos no vencimento e calculados de acordo com os juros que vigoraram no mercado no período. Isto é, na fase de alta de juros, o Tesouro e o Banco Central assumiram o custo da crise.

Agora, o quadro se inverteu. Após o acordo com o FMI, o Banco Central está reduzindo as taxas de juros, no mercado, em 0,5% ao dia. Mas – atenção – não fez o mesmo para os títulos do governo. Ao contrário: o BC passou a vender papéis com juros prefixados (os atuais, elevadíssimos) por três semanas. Está garantindo lucros fabulosos aos bancos e investidores, compradores do papel. E “sangrando” o Tesouro em milhões de reais. Quem explica a contradição?



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