Revista da Fenae , maio de 1998
O Brasil recebeu uma enxurrada de dólares em março e abril. As reservas saltaram para mais de 65 bilhões de dólares. Crise afastada? Não.
A tranqüilidade que esses números parecem inspirar é ilusória. Há vários sinais de alerta, apontando para uma deterioração da situação da economia - e é para esses sinais que tanto os banqueiros quanto os aplicadores internacionais costumam dar atenção. Primeiro sinal de alerta: houve queda nos investimentos, isto é, na entrada de dólares não-especulativos, aqueles que vêm para ficar no país, aplicados em fábricas, minas, empresas, etc. O governo previa recordes nessa área, algo como 18 bilhões de dólares neste ano. No primeiro trimestre, no entanto, o volume de investimentos não alcançou menos de 3 bilhões de dólares - e continua a minguar. Motivo: com a recessão e queda nas vendas, obviamente as multinacionais perdem o interesse pelo mercado - e, em muitos casos, já foram forçadas a "congelar" planos de ampliação de fábricas (automóveis, eletroeletrônicos, etc.).
Contas furadas - Ao mesmo tempo, estão sendo frustradas as expectativas do governo, de aumento nas exportações, devido à quebra na safra agrícola, em consequencia da falta de apoio ao produtor e, agora, aos estragos do El Niño. Vale dizer: o saldo negativo da balança comercial (importações superiores às exportações) continuará em níveis elevados, torrando dólares. Tudo somado, o "rombo" das contas externas do Brasil, na casa espantosa de 35 bilhões de dólares ao ano, tende a permanecer assustador. Para cobri-lo ao menos parcialmente, restaria apenas a eventual entrada de dólares para a compra de estatais, dentro da política de privatização. Mas, também aqui, os dados mostram que, na prática, a participação estrangeira (isto é, a vinda de dólares-para-ficar) tem sido mínima, mal passando dos 2,5 bilhões de dólares nos últimos dois anos. Para coroar, o fracasso na privatização das empresas energéticas de São Paulo, sem falar na desistência de grupos concorrentes à telefonia celular, mostra que a tão sonhada entrada maciça de dólares, com as privatizações, é mera fantasia do governo.
Sinal vermelho - Como explicar a enxurrada de dólares de março e abril? É simples: o governo anunciou que iria mudar as regras para os dólares especulativos, e houve uma "corrida" dos aplicadores/banqueiros para aproveitar as condições antigas (juros ainda mais altos, e autorização para remeter os dólares de volta ao exterior, após um prazo curto de apenas seis meses). Em outras palavras: foi uma avalanche de hot money, que pode deixar o país de uma hora para outra.
Paradoxalmente, a própria enxurrada de dólares é causa do agravamento de problemas que assustam os banqueiros/aplicadores estrangeiros, a médio prazo. Após trocar os dólares por reais, o governo emite títulos para retirar (os reais) de circulação. Aumenta, assim, a sua dívida interna - já na estratosfera - e, pior ainda, o rombo provocado pelo pagamento de juros. Numa situação suicida, o Tesouro paga em torno de 25% ao ano pelos títulos emitidos, e aplica o dinheiro (no exterior) a 6% a 8% ao ano. Vale dizer, o salto nas reservas está aumentando o rombo do Tesouro - preocupando os credores internacionais e o FMI. O fantasma da "fuga de dólares" e novo terremoto na economia não foi exorcizado.