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  Uma lista para justificar o aumento das contribuições

Jornal Folha de S.Paulo , terça-feira 29 de dezembro de 1981


Derrotados no Congresso, que rejeitou sua proposta para aumentar as contribuições e reduzir os benefícios oferecidos pela Previdência, os tecnocratas não abriram mão de sua posição. No debate que tomou conta da Nação, tentaram de todas as formas provar que os recursos resultantes da taxação de "supérfluos" seriam uma gota d’água diante das necessidades de recursos do sistema previdenciário. A lista, pífia, de produtos taxáveis, afinal submetida ao presidente da República, foi o coroamento dessa estratégia, jà>ís a ridícula arrecadação que ela proporcionará serviu de justificativa para, afinal, ressuscitar a proposta inicial dos tecnocratas: o aumento das contribuições.

Minucioso levantamento sobre a cobrança de impostos no Brasil, realizado pela "Folha", mostrou que nada menos de sete mil produtos foram totalmente isentos do pagamento do IPI — Imposto sobre Produtos Industrializados, nos últimos dois anos. A mesma pesquisa demonstrou, ainda, que mesmo para bens obviamente não-essenciais como ouro, prata, platina, pedras preciosas, jóias — houve essa isenção, ou no mínimo redução do IPI de 79 para cá. Comprovou-se, em resumo, a possibilidade de cobrar a sobretaxa sobre uma ampla variedade de bens, para fornecer os recursos a Previdência, sem onerar qualquer setor em particular.

OS CRITÉRIOS ADOTADOS

O objetivo dos tecnocratas, porém, era apenas fingir que cumpriam a determinação do Congresso, organizando uma lista, sim, porém suficientemente diminuta para justificar o aumento das contribuições. Sabendo-se que eles são "ultra-competentes" para atingir os objetivos que se propõem, não resta dúvida de que essa é a única explicação para entender os critérios da "taxação". Por que elevar ainda mais as já proporcionalmente elevadíssimas taxas cobradas sobre artigos de perfumaria, e deixar que ouro, prata platina nada paguem, e que jóias e artigos de ourivesssaria pague no máximo 15% de IPI, como ocorre hoje? Que critério pode ter existido na elevação do IPI do caviar, de 30 para 60%, quando todos (todos, mesmo) os produtos similares, como lagostas, camarões, peixes defumados, mesmo importados, nada pagam? Por que os artigos eletrodomésticos, que pagavam 20% de IPI e, após as reduções dos últimos anos, ficaram com apenas 10 a 15% de imposto, não foram incluídos na relação? Da mesma forma, por que foi mantida a isenção total para tules, veludos, rendas, no setor têxtil, ou para "corn flakes", iogurtes, presuntos, biscoitos, chocolates no setor de alimentos? O que justifica a taxação apenas para refrigerantes, consumidos por todas as faixas da população, e a manutenção das taxas atuais para as bebidas consumidas pelas faixas de alta renda, como licores, vodca, uísque etc.?

Fica patente que, em momento algum, os tecnocratas tiveram a intenção de desincumbir a tarefa que lhes foi confiada pelo Congresso, a saber, obter recursos para a Previdência através da taxação dos bens erradamente chamados de supérfluos e que são apenas, na verdade, menos essenciais. Mesmo porque — e a Nação não se lembra disso —, pouco antes da taxação decidida pelo Congresso, os tecnocratas estudavam o problema da cobrança do IPI sobre o uísque.

Evidentemente, o objetivo não era aumentá-lo. O objetivo era diminuí-lo. Assim se faz a política fiscal brasileira: ao contrário de outros países capitalistas, onde os produtos são taxados de acordo com a sua essencialidade, e de acordo com a renda de seus eventuais consumidores. Aqui, a preocupação com justiça social não existe. Pensa-se em reduzir o imposto sobre o uísque perde-se o imposto sobre o ouro. E aumenta-se a carga de taxas e impostos pagos também pelas faixas da população de baixa renda.

O tiro dos tecnocratas pode sair pela culatra. Serviu de lição para que a Nação aprendesse, de uma vez por todas, que é preciso confiar ao Congresso a tarefa de rediscutir o problema da cobrança de impostos, no País. Deixá-la aos tecnocratas dá no que dá.



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