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  A melhor e a pior fase do real

Jornal Diário da Manhã , domingo 7 de agosto de 1994


A nova moeda completou um mês de existência. Sem nenhuma surpresa começaram a surgir, no noticiário, os primeiros problemas capazes de complicar o combate à inflação. Há velhas e novas pressões em cena. Trabalhadores de categorias importantes, em seus dissídios anuais, pedem reposição de perdas passadas, pleiteando reajustes de até 100%. Indústria e comércio se recusaram a reduzir preços, trocando acusações e alegando prejuízos por causa dos juros altos e da queda nas vendas.

Empresários agrícolas e industriais alegam que vêm sofrendo prejuízos com a falada queda do dólar, e querem que o Governo volte a comprar a moeda, puxando sua cotação para cima.

O real enfrenta sua primeira fase crítica. Nestes próximos dias, a freqüência de notícias desfavoráveis pode lançar as primeiras dívidas no espírito da maioria dos brasileiros, que, segundo pesquisas, vêm acreditando no êxito do Plano I-Real. A reversão do clima de otimismo pode ser desastrosa, desembocando-se no inevitável ressurgimento do velho ceticismo: “Esse Plano não vai ter o mesmo destino dos outros?”

Depende. Há condições para o Planalto enfrentar o desafio. Paradoxalmente, pode-se dizer que a nova moeda está ameaçada, mas, ao mesmo tempo, atravessa também a sua melhor fase. Por quê? Porque diretrizes erradas do Plano I-Real estão sendo abandonadas. Ou, melhor ainda, as diretrizes absurdas, que o ex-ministro FHC e sua equipe impuseram durante meses ao País, finalmente estão sendo abandonadas. Se essa mudança de rumos for ampliada, apesar das pressões, o combate à inflação fará novos avanços. A sociedade lucrará. E talvez descubra, então, todo o tempo perdido e todos os sacrifícios inúteis a que foi submetida por força do autoritarismo de uns e outros.

Analisa-se a seguir as diretrizes que nortearam o Plano I-Real e as mudanças (favoráveis) que podem ser apontadas.

BOLHAS DE CONSUMO
Os economistas oficiais previram uma “bolha de consumo”, uma corrida às compras, como na época do Cruzado. Por isso, cometeram o erro de fixar juros exorbitantes, até dez vezes o nível das taxas mundiais, para “esfriar” o consumo.

A realidade – a visão teórica era equivocada. O consumidor brasileiro mudou seu comportamento há muito tempo. Havia provas disso. Primeira: na liberação dos cruzados retidos no Plano Collor, não houve “corrida” alguma (e grandes redes varejistas, que haviam estocado, chegaram a pedir concordata devido às baixas vendas). Segunda: na liberação das contas inativas do FGTS, houve o mesmo temor. E nada aconteceu.

A mudança – já nos últimos dias, o Governo reduziu os juros da faixa de 8% para a faixa de 4% ao mês.

Custo para todos – a fixação de juros exorbitantes alimentou a especulação financeira, aumentou os gastos do Governo com a dívida. E dificultou a própria queda dos preços, isto é, da inflação.

A QUEDA DO DÓLAR
Um dos maiores crimes contra a sociedade brasileira, cometidos ao longo dos últimos anos, foi a política oficial de impedir (isso mesmo, impedir) a queda do “preço” do dólar. Quem diz isso não são economistas do PT, adversários políticos da equipe econômica. Isso foi dito ao longo do tempo até mesmo por economistas ligados aos setores empresariais, como o ex-ministro Delfim Netto ou o ex-presidente do Banco Central, Afonso Celso Pastore. O raciocínio é simples: na fase da “falta de dólares”, o Governo podia oferecer juros altos, para atrair a entrada de dólares, aplicados em títulos no mercado financeiro brasileiro. Os juros elevados provocavam inflação, mas era o caminho possível para atrair dólares. Um custo, portanto, aceitável. A partir do momento em que o Brasil passou a ter reservas de dólares, já poderia reduzir os juros altos, e permitir a queda do valor do dólar. As duas medidas reduziriam o custo das empresas, isto é, permitiriam reduzir preços. E a inflação.

A realidade – ao manter os juros elevados, e a taxa do dólar garantida pelo próprio Governo (porque o Banco Central garantia esse preço, comprando dólares que entravam no País), o País viveu uma inflação desnecessária.

Custo para todos – salários foram achatados a pretexto de conter a inflação; verbas do orçamento foram cortadas, com o mesmo argumento; tarifas controladas, idem ibidem. E, na prática, um foco prioritário da inflação foi mantido pelo próprio Governo, para alegria dos especuladores nacionais e internacionais, que ganharam com a “ciranda dos juros” e do dólar.

A mudança – desde o lançamento do real, o Governo tem permitido a queda do dólar, sem tentar impedi-la. Na verdade, pode-se suspeitar que, com “a mão do gato”, o Banco Central ainda esteja interferindo disfarçadamente no mercado para evitar uma queda muito maior. Mas, de qualquer forma, há uma mudança de comportamento – uma das mais importantes ocorridas na política econômica nos últimos anos.

A ameaça – os grupos que sempre lucraram com o dólar “tabelado” pelo Governo desencadearam pressões para voltar à situação antiga. Se eles ganharem, um foco de inflação estará de volta. A sociedade precisa exigir exatamente o contrário: que o Governo caminhe para a liberação total do valor “dólar”. Nesse caso, o Banco Central deixaria de comprar (proposta definida por Delfim e Pastore, inclusive) os dólares que entram no Pais, pertencentes a exportadores ou investidores. O mercado passaria a funcionar livremente – com o dólar subindo e descendo de preço como qualquer mercadoria.

MITO CONTRA OS SALÁRIOS
A equipe econômica voltou a achatar o salário mínimo, as aposentadorias, e o vencimento do funcionalismo. Repetindo os economistas da ditadura e os pós-ditadura, eternamente ligados aos interesses das chamadas “elites” insistiram na tese de que os salários provocam inflação. Repetiram aquela ladainha toda, verdadeira “lavagem cerebral”, de que não adianta aumentar salários, porque assim os preços sobem, a inflação sobe etecétera e tal.

A mudança – nesta semana, houve importante mudança no discurso dos economistas oficiais de anteontem, ontem e hoje. Para o bom observador, uma mudança fundamental: em nota oficial o Governo advertiu que nos casos de aumentos de salários permitidos pelas regras do real, as empresas somente poderão aumentar preços “proporcionalmente” ao peso que os salários tem em seus custos. Em bom português, o que isto significa? É simples: se os salários representam 10% dos custos de um setor, e os trabalhadores têm um aumento de 50%, obviamente os custos só subirão 5%, ou 10% de 50%. É óbvio. Mas as empresas brasileiras nunca respeitaram essa proporção. Ou melhor: os economistas oficiais – mesmo os antigos “progressistas” – nunca exigiram que as empresas respeitassem essa proporção. Ao contrário: passaram o tempo todo, repita-se, enganando a sociedade, com a ladainha de que “salários provocam inflação”.

A mudança, ainda – a nota oficial lembra, ainda, que as empresas podem dar aumentos salariais com base no aumento da “produtividade”, isto é, no aumento de produção sem aumentar, ou mesmo diminuindo, o numero de empregados. É claro que, nesses casos, as empresas não precisam aumentar preços.

Custo para todos – na verdade, ao longo dos últimos anos a produtividade cresceu sempre, isto é, o peso dos salários foi cada vez menor. Os preços poderiam ter caído, isto é, a inflação poderia ter caído. Mas as equipes do Governo preferiram fechar os olhos a isso, e “achatar” salários, sacrificar o trabalhador – aumentar os lucros das empresas. O Plano Real não fugiu a essa regra. Em 1993, a produtividade na indústria cresceu 18%. Mas os economistas oficiais ”fingiram” não saber disso, e partiram para o novo achatamento dos salários.

VAPOR PARA A INFLAÇÃO
No ano passado, surgiu uma proposta do ex-ministro Barelli, antes de “tucanar”, e antes de a equipe FHC calar a boca de todos os ministros e do próprio presidente da República, proibidos de falar sobre economia... Qual era a proposta? Barelli e o então ministro Andrade Vieira defendiam uma negociação com as empresas, para reajustarem preços abaixo da taxa inflacionário do mês anterior, provocando assim a queda gradual da inflação. Barelli usou então exatamente esse argumento: que as empresas vinham reajustando salários abaixo da inflação (política oficial da época), havia aumento de produtividade e, portanto, era perfeitamente possível adotar reajustes menores para os preços.

Custo para todos – a equipe FHC vetou a proposta. Continuou a perseguir salários e assalariados. A inflação, que estava em 25% mensais, continuou a subir, mês após mês. Por quê? Porque a equipe queria fazer um “plano” que beneficiasse politicamente uns e outros nestas próximas eleições.

Em resumo: o Plano I-Real manteve distorções da política econômica dos últimos anos. Agora, surgem mudanças que nada tem a ver com o Plano: são novos caminhos para a política econômica, que poderiam estar sendo trilhados pelo País há mais de um ano. Milhões e milhões de famílias foram sacrificadas sem necessidade esse tempo todo. Inflação, miséria, violência, concentração de renda – tudo por força do poder autoritário dos economistas.

A sociedade deve refletir sobre tudo isso. E ficar atenta para que os grupos de pressão não consigam reconquistar seus privilégios. Com as mudanças ocorridas a queda da inflação pode ser consolidada. A visão real de suas origens permite adotar medidas corretas.

E os preços? Também aqui houve “erros” (ou conivência?) da equipe FHC, e agora as coisas mudam. O Governo continuou a achatar salários durante meses – e deu tempo para as empresas remarcarem brutalmente os seus preços. Mesmo depois do lançamento do Plano I-Real, esse comportamento foi mantido, bastando lembrar o aumento de 17% concedido às empresas de seguro saúde. Agora, nos últimos dias, a equipe rejeita a informação de que o lucro dos supermercados seja de apenas 2,5% - e pede redução de preços. Briga com o comércio de roupas. Exige que os setores empresariais exibam demonstrações de seus custos. E até pensa em estimular a produção e o consumo de aves e suínos, para derrubar os preços da carne.

O Governo tenta administrar o combate à inflação. Há mais de um ano, a equipe FHC poderia ter feito tudo isso. O ex-ministro disse, então, que não ia cuidar de preços, especulação etc, porque isso não adiantava nada, era uma política miúda demais.

Pena que se tenha perdido tanto tempo para descobrir o ponto de partida.



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