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  A luta por uma recessão menor

Jornal Diário da Manhã , domingo 18 de setembro de 1983


Privilégios a grandes grupos ampliam o déficit

Depois da reunião do Conselho Monetário Nacional desta semana, o presidente da Federação das Indústrias de São Paulo, Luís Eulálio Bueno Vidigal lançou um “balão de ensaio”. Segundo ele, a principal causa da inflação neste momento seria o déficit do setor público, que o FMI exige que o Brasil reduza drasticamente este ano e em 1984. Até aí, nada de novo. Mas Vidigal arrematou: “Logo, para reduzir o déficit, é preciso cortar ainda mais os gastos das estatais” – que já reduziram seus investimentos este ano. Agora, seria preciso realizar demissões em massa, nas estatais e máquina governamental.

Como o sr. Vidigal é conhecido porta-voz do ministro Delfim Netto, a conclusão é uma só: o ministro pediu ao empresário que lançasse a “proposta”, para parecer que essa é a posição do empresariado, e não do próprio ministro. Tudo combinado: um ou dois dias depois, também o ex-ministro Pratini de Morais abria baterias contra o “déficit do setor público”. E, finalmente, os banqueiros entravam em cena, para afirmar que as taxas de juros no Brasil não podem cair “por culpa do déficit do setor público”, já que, para cobrí-lo, o governo emite Letras do Tesouro e ORTNs e, para vendê-las, precisa oferecer altas taxas de juros ao aplicador do open market.

Para bom entendedor: está em marcha uma campanha para que o ministro Delfim Netto possa realizar brutais cortes nas estatais (e até privatizá-las), alegando que essa é uma “reivindicação” das classes empresariais. E não apenas delas: a própria opinião pública, de tanto ouvir falar na necessidade de reduzir o “déficit do setor público”, e de reduzir o “gigantismo das estatais”, acabará apoiando a decisão, embora ela provoque desemprego e amplie a recessão.

A opinião pública estará sendo enganada, mais uma vez – e a crise econômica estará sendo ampliada desnecessariamente mais uma vez. O combate ao déficit do setor público, mais que “cortes nas estatais”, exige, a esta altura, redução nos privilégios que o Tesouro dá a grandes grupos e setores da economia.

OS DESCAMINHOS

É preciso repisar: o déficit do setor público não significa déficit do governo. O Tesouro brasileiro tem até superávit, isto é, arrecada o suficiente para pagar as despesas governamentais, e ainda sobram trilhões de cruzeiros. Para onde eles vão? O “rombo” ou déficit do setor público corresponde aos trilhões de cruzeiros gastos com subsídios, principalmente ao crédito e às exportações, concedidos a grupos privados.

Já se viu que seria possível reduzir os subsídios à exportação (em artigo anterior, publicado no último domingo, sob o título “Como reduzir o déficit público sem parar tudo”). E em relação ao crédito? Há dois caminhos, pelos quais os subsídios ao crédito aumentam o déficit: Doação direta – Ao longo dos anos, o governo brasileiro tem concedido financiamentos a taxas muito abaixo da inflação, pelos mais variados pretextos. Ora, o governo (geralmente através do BNDE) concede créditos a juros de 20% ao ano (correção monetária tabelada em 20%), para “fortalecer” as empresas de setores considerados “estratégicos”. O governo socorre, com juros baixíssimos, a empresas em “dificuldades” (isto é, as chamadas “operações hospital”, também geralmente a cargo do BNDE). Nesses casos, há uma doação direta de capital, de dinheiro do povo, aos grupos e empresas. Por quê? Porque se o BNDE empresta a 20% ao ano, por exemplo, a diferença entre essas taxas e a correção monetária naquele ano será paga pelo Tesouro (aumentando o déficit “do setor público”).

Déficit indireto – No crédito à agroindústria, no crédito à exportação, no crédito a programas especiais, há também juros subsidiados, que podem chegar a representar apenas um traço da correção monetária. Aqui, os beneficiários dos empréstimos subsidiados também estão recebendo “dinheiro do povo”, de presente, lucrando com a diferença entre os juros que pagam e a taxa de inflação. Neste caso, porém, a influência sobre o déficit público é indireta (isto é, o Tesouro não paga efetivamente a diferença de taxas, como ocorre no exemplo anterior, com o BNDE), - mas ela existe da mesma forma. O que ocorre é o seguinte: suponha-se que, em determinado ano, o crédito rural chegue a Cr$ 4,0 trilhões, e que os juros sejam de apenas 40% ao ano (como ocorria efetivamente). No fim do ano, ao liquidarem os empréstimos, os seus tomadores devolveriam os Cr$ 4 trilhões, mais Cr$ 1,6 trilhão (correspondente aos 40% de juros) ou Cr$ 5,6 trilhões. Suponha-se agora que a inflação no período tenha sido de 100%. Logo, na safra seguinte, apenas para manter o mesmo volume de crédito rural à disposição do setor, o governo teria que elevar o volume de empréstimo para Cr$ 8,0 trilhões (isto é, aumento de 100% igual à inflação, sobre os Cr$ 4 trilhões). Como o governo só recebeu de volta Cr$ 5,6 trilhões, ele terá aí um “rombo” de Cr$ 2, 4 trilhões, que terá que ser coberto ou através de emissões de papel moeda, ou através da venda de LTNs e ORTNs, com aumento do endividamento do Tesouro. Em conclusão: os “rombos” no crédito subsidiado (não apenas à agroindústria) exigem emissões e são considerados, também, como componentes do “déficit público”. Logo, basta cortar privilégios na concessão de crédito subsidiado, neste momento, para que o déficit seja reduzido, e as metas do FMI caiam.

Atenção: desde já, é bom dizer que não é preciso cortar ainda mais o subsídio dos agricultores. (A seguir, os cortes possíveis no crédito).



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